economia na educação

Decretos do governo atingem profissionais e alunos da UFSM e do IFFar e geram insegurança e incerteza


Em seus primeiros 100 dias na presidência do país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) anunciou medidas para economizar verbas públicas. Somente em março, três decretos do Ministério da Economia vão refletir na carreira de servidores, na educação e na pesquisa, além de contingenciar recursos. Quando candidato, Bolsonaro afirmou não retirar recursos de áreas como Educação. Porém, a realidade na gestão de um país que passa por dificuldades para cumprir a meta fiscal exigiu cortes. Os decretos que integram um projeto de reforma de governo, apesar de determinarem estratégias, carecem de respostas de como e quanto atingirão a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o Instituto Federal Farroupilha (IFFar). 

Uma das medidas determina a extinção de 21 mil funções gratificadas (FGs) até 31 de julho. A UFSM não confirma números até agora, mas uma tabela publicada pelo Sindicado Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) mostra que os cortes atingem 353 FGs da UFSM e 38 do IFFar.

Outro decreto estabelece medidas de eficiência nas organizações e novas regras para concursos públicos e uma terceira medida congela parte do orçamento federal. A fatia congelada da educação é R$ 5,83 bilhões, cerca de 25% do orçamento deste ano. No Ministério da Ciência, o impacto é maior: R$ 2,13 bilhões, 42%. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que financia pesquisas e integra o ministério, teve mais de 80% dos recursos contingenciados.

O professor de Economia da UFSM Roberto da Luz Júnior, que foi pró-reitor de planejamento de 1995 a 2007, explica que o contingenciamento é uma medida já usada em outros governos nos últimos anos. Ele lembra, contudo, que com o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o número de cursos aumentou:

- É claro que os decretos afetam a instituição, mas isso não significa que a produtividade vá cair. O número de alunos e cursos mais do que dobrou e o número de funcionários e professores aumentou, não na mesma proporção. Não estou pregando que se deve cortar o orçamento, mas é um grande desafio que a gestão vai ter que enfrentar e cortar onde pode ser cortado. O governo fez isso por maldade? Não, sempre o fizeram. É uma obrigação executar o orçamento aprovado pelo Legislativo.

De um lado, há quem diga que não há alternativas para o governo para colocar as contas em dia. Do outro, professores, servidores e sindicatos se mostram apreensivos com cenário que se desenha e afirmam que as medidas atingem a autonomia da universidade.

- As instituições de Ensino Superior passarão a ser reprodutoras, meros balcões de saberes. Cortar verba na pesquisa, como na gestão, é corroer o sentido e o espírito do Ensino Superior autônomo, gratuito e de qualidade. Esse corte de R$ 5 bilhões do Ministério da Educação também afetará a extensão. Com isso, o ministério pensa em forçar as universidades e institutos a buscar fomento na iniciativa privada e como diz o chavão "quem paga a banda escolhe a música" e, dependendo de verbas privadas, as pesquisas passarão a atender os interesses do mercado - argumenta o doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Guilherme Howes. 

DECRETOS GERAM CRÍTICAS
Os recentes decretos, todos do Ministério da Economia, têm dois principais objetivos: economia aos cofres públicos por meio de cortes em gastos discricionários (entre eles, os gastos não obrigatórios que envolvem dinheiro que seria usado para investimentos, passagens, diárias e gratificações de funções) e eficiência administrativa, que engloba ações como compra coletiva de materiais ou digitalização de documentos (matrícula, por exemplo) que também pode representar economia aos recursos públicos federais.

De acordo com o Ministério da Economia, o Executivo tem 632 mil servidores ativos, sendo que 131 mil ocupam funções gratificadas, uma média de um a cada cinco servidores. A redução significa economia de R$ 195 milhões por ano, segundo o Ministério da Economia. A média geral de acréscimo no salário é de R$ 570 por servidor que exerce FG.

Já de acordo com um levantamento feito pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior (Fasubra), apesar dos números, o decreto não deixa claro se as extinções atingem parte ou totalidade do número de servidores que atualmente exercem funções gratificadas.

ENTENDA CADA DECRETO

  • Cargos e comissões - O decreto 9.725 de 12 de março de 2019, o qual "extingue cargos em comissão e funções de confiança e limita a ocupação, a concessão ou a utilização de gratificações", estabelece que até 31 de julho deste ano ficam extintos 21 mil cargos, funções técnicas e gratificações do governo federal. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o decreto atingirá, diretamente, cerca de 13 mil cargos ocupados nas universidades federais do país, o que provocará graves impactos nessas instituições federais. Entre as funções extintas estão as de direções, coordenações e secretariados de cursos. É válido lembrar que função gratificada significa uma remuneração extra ao servidor que assume uma atividade além da qual ele foi lotado quando concursado. Isso significa que não haverá pessoas desempregadas e, sim, dispensadas de suas funções.  De acordo com o próprio decreto, no dia em que o documento entrou em vigor, as funções que não estavam ocupadas foram extintas imediatamente. Outras deixam de existir a partir de 30 de abril e a maioria passa a ser extinta em 31 de julho deste ano.
  • Concursos públicos - O decreto 9.739 de 28 de março de 2019, que "estabelece medidas de eficiência organizacional para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional", determina normas sobre concursos públicos e dispõe sobre o Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal (Siorg). Segundo o decreto, a partir de 1° de junho, mudam os critérios para aprovação de novos concursos públicos para preenchimento de vagas nos órgãos e instituições federais. Entre os critérios exigidos pelo Ministério da Economia, será analisado se a instituição está em dia com conjunto de ações de eficiência administrativa, como, por exemplo, a implantação de serviços digitais, a participação em compras compartilhadas e os resultados da avaliação de desempenho institucional do órgão nos últimos três anos. Também será necessário justificar uma lista com 14 critérios sobre o preenchimento das vagas. Um desses requisitos é demonstrar porque a vaga não pode ser preenchida por meio de contratação de terceirizados.
  • Bloqueio orçamentário - O decreto 9.741 de 29 de março de 2019 prevê programação mensal orçamentária e bloqueia 29 bilhões de gastos previstos no orçamento para 2019. O congelamento tem objetivo de tentar cumprir a meta de déficit primário (despesas maiores do que receitas, sem contar juros da dívida pública) de até R$ 139 bilhões para este ano. Com a entrada de receitas adicionais no governo, o valor pode ser liberado ao longo do ano.  Os bloqueios ocorrem desde 2008. Em anos anteriores o valor congelado chegou a ser maior. Neste ano, a Educação é a área mais atingida, em valores absolutos, com R$ 5,83 bilhões. A área de Ciência também atinge as universidades, pois é deste ministério que saem os recursos para bolsas de pesquisa como CNPq.  Do valor congelado em 2019, cerca de R$ 2 bilhões são de emendas parlamentares, ou seja, dinheiro determinado por deputados federais que seriam investidos por políticos ou bancadas federais em uma área determinada.  Apesar de não ser o maior bloqueio dos últimos anos, o valor congelado fará com que a verba para custos e investimentos seja a menor desde 2008, o que pode comprometer a prestação de serviços públicos em geral. Com esse decreto, o limite para despesas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias e são passíveis de manejos) caiu para R$ 90 bilhões. Até então, o valor mais baixo foi registrado em 2008 com R$ 113,9 bilhões de limite.

QUALIDADE COMPROMETIDA

Entre os cargos com funções gratificadas (FGs) da UFSM está Maurício Severo. Ele é técnico administrativo da instituição há 12 anos e, desde que ingressou, é FG nível 7. Ele é secretário dos cursos de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas.  

Apesar de não saber detalhes de como os decretos do governo federal vão chegar na UFSM, a situação organizacional da universidade com menos FGs e também o congelamento de orçamento já é motivo de preocupação. Severo, que também é coordenador de Comunicação da Associação dos Servidores da UFSM (Assufsm), explica que o temor em relação às medidas e o ataque às autonomias das universidades públicas, influenciam diretamente na qualidade dos serviços e da educação.

 - Desde o início do ano, praticamente tem um decreto a toda semana, o que dificulta a gestão. Agora vem (o decreto) os dos concursos que nos deixa receosos, porque a gente sabe que tem a tendência da terceirização e que isso pode precarizar o serviço público. Já dentro desse congelamento dos R$ 5,8 bilhões, a gente não tem como saber onde virão os cortes, porque envolve o orçamento deste ano, que ainda será executado. Sem falar que, hoje, onde existe pesquisa no Brasil é dentro da universidade - argumenta.

Sobre a extinção das funções gratificadas, Severo menciona que o valor que os servidores recebem como gratificação não chega a ser a maior preocupação, mas, sim, uma possível reestruturação no funcionamento dos setores da universidade. A economia que o governo pode fazer, com o decreto das funções gratificadas, não é relevante perto do impacto na estrutura da comunidade acadêmica.

- Se isso acontecer, é possível que tenha que mexer na estrutura, aprovar os conselhos superiores e que pode até mesmo extinguir as secretarias. Não vai mais existir o secretário do curso, com carimbo, com portaria - analisa Severo.

DANO AO ENSINO

Chefe do departamento de Ciências Administrativas, o professor e pesquisador do CNPq Luis Felipe Dias Lopes lembra que depois de alguns anos houve uma inversão. Segundo o servidor, onde antes havia muito investimento na ampliação de cursos e vagas em universidades federais com o Reuni - um programa de 2007 do governo federal de apoio a planos de reestruturação e expansão das universidades federais brasileiras -, agora, os recursos orçamentários não são suficientes. Lopes explica que, a cada ano, as despesas aumentam e o recurso está congelado. Como chefe de departamento, ele dá um exemplo prático:

- Nós temos R$ 4 mil por ano para gastar em diárias para 30 professores, enquanto no Senado foi gasto mais de R$ 70 mil em um semestre. Aí, vem um professor pedir diária e passagem para um evento, tem dinheiro. Vem outro e pede, ainda tem. Quando vem mais um, já não tem dinheiro em caixa, e como é que a gente faz? O critério é dispor para quem pede primeiro? Não tem como. Congelar, não resolve.

A preocupação também é sobre os cortes do CNPq. No ano passado, ele conseguiu aprovação de um projeto de pesquisa que pode monitorar a qualidade do leite produzido na região. Porém, dos cerca de R$ 100 mil que deveria receber, só R$ 10 mil foram repassados.

- Como é que nós vamos analisar a qualidade do leite se não tem dinheiro para comprar o equipamento necessário, se não tem dinheiro para pagar pelo software, pelo hardware? Aí, os bolsistas estão recebendo, mas precisam ter equipamentos para começar a trabalhar. A gente fica desanimado. Sou politicamente apartidário. Sei que se uma medida afetar um professor, vai prejudicar todos. Será que os doutorandos de agora vão querer dar aulas na universidade pública ou vão achar melhor ir para a privada? Tudo isso afeta a graduação e o ensino como um todo, assim como a pesquisa e a extensão - analisa o professor.

O QUE DIZ A UFSM?
Após a publicação dos decretos, o Diário tentou uma entrevista com o reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Burmann, que preferiu se manifestar por meio de uma nota emitida pela sua assessoria: 

"O Gabinete do Reitor, juntamente com as demais pró-reitorias e unidades universitárias, estão avaliando o impacto destes decretos federais (9.741, 9.725 e 9.739) na UFSM. Ainda aguardamos detalhamento oficial para construir uma posição definitiva sobre seus efeitos na Universidade. No entanto, a extinção de Funções Gratificadas (FGs) 4, 5, 6 e 7, prevista no decreto 9725/2019, uma vez confirmada, vai gerar uma desestruturação de cargos e funções previstas no Regimento Geral da UFSM. Da mesma forma, os decretos 9.731 e o 9.739/2019 impactarão na estrutura organizacional da UFSM e programação de investimentos e custeio do funcionamento da UFSM. Na medida em que tais informações estiverem disponíveis detalhadamente, faremos uma manifestação oficial".

Por telefone, porém, na última terça-feira, Burmann comentou:

- Nós não temos certeza de quanto vai afetar as universidades. As FGs existem em vários órgãos, especialmente na educação, mas não sabemos quanto toca para UFSM. Em princípio, pela interpretação inicial, vai impactar na estrutura da universidade, mas em princípio...

"IMPACTO ESTÁ SENDO DEVASTADOR", DIZ REITORA IFFAR 

Reitora do Instituto Federal Farroupilha (IFFar), Carla Comerlato Jardim, relata que logo no primeiro trimestre do ano, as recentes mudanças anunciadas pelo governo na seara da educação já refletem profundas dificuldades orçamentárias na instituição. Ela explica, por exemplo, que, em vez de o governo parcelar o orçamento em 12 meses e o IFFar receber 1/12 dos recursos, está recebendo 1/18. A situação complica ainda mais, segundo a reitora, porque a previsão desse repasse reduzido de 1/18 é até junho. Após, o governo fará reavaliações, o que preocupa: 

- Ao que diz respeito à redução de recursos do Ministério da Educação, o impacto está sendo devastador. O valor é insuficiente para que a gente cumpra os compromissos básicos, as despesas como energia elétrica, internet e os contratos de prestação de serviços terceirizados. Estamos fazendo um esforço acima das possibilidades para não comprometer as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Evidentemente, nosso orçamento atual nos permite meramente sobreviver neste período.

Carla também critica os decretos que extinguem funções e alteram regras de concursos públicos, os quais, conforme ela, impactam na questão de pessoal, dificultam a reposição de servidores que se aposentam e limita novos concursados.

- São tempos de incertezas e a expectativa de mudança deste cenário é muito reduzida, quase nula. Consideramos que a gente está assistindo todos os movimentos que estão sendo feitos no país: reformas e redução de gastos e concursos públicos. É o encolhimento das instituições públicas - afirma a reitora.

O IFFar tem 11 campi e quatro Centros de Referência no Estado. Na Região Central, os campi são em Santa Maria, São Vicente do Sul, Jaguari, Júlio de Castilhos. Já os Centros de Referência estão em Santiago e São Gabriel.

BOLSAS DE PESQUISAS NA MIRA DOS CORTES
Outro problema que atinge diretamente a comunidade universitária tem relação com o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), de onde saem o pagamento de bolsas de pesquisas científicas. Nesta semana, João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), disse que os recursos só são suficientes para custear todas as bolsas até setembro e que, possivelmente, a partir de outubro o orçamento não será suficiente para pagar todos pesquisadores. Para acabar 2019 sem colocar em risco o pagamento de bolsas, seria necessário R$ 300 milhões.  

Já o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, teme que com o contingenciamento os recursos sejam suficientes para pagar bolsistas somente até julho:

- Já estávamos no mínimo suportável. Agora, pode ser que quem está estudando fora tenha que voltar e quem está na pósgraduação tenha que procurar outro emprego.

O CNPq, maior agência de fomento à pesquisa ligada ao governo federal, é responsável por 72,8 mil bolsas de estudos e pelo financiamento de projetos de pesquisas em todo o país. São 895 bolsistas dentro da UFSM, desde alunos da graduação, pós-graduação e professores pesquisadores. O contingenciamento do orçamento federal também inclui o MCTIC, que teve 42% de seu orçamento para 2019 congelado, um valor que representa R$ 2,13 bilhões.

PREJUÍZO NA CIÊNCIA

Na última quinta-feira, as principais entidades científicas e de Ensino Superior do país criticaram, em uma carta conjunta, o congelamento de quase metade das despesas de investimento do Ministério da Ciência que envolve o decreto do contingenciamento de recursos federais. "Se essas restrições orçamentárias não forem corrigidas a tempo, serão necessárias muitas outras décadas para reconstruir a capacidade científica e de inovação do país" diz um trecho do texto que é assinado por Academia Brasileira de Ciências, Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entre outras.

Segundo a carta, áreas importantes de pesquisa, como o enfrentamento de epidemias emergentes, a busca por novas fontes de energia e as pesquisas em segurança alimentar, por exemplo, podem ser afetadas.

Mestranda em Extensão Rural da UFSM, que teve auxílio de bolsa do CNPq durante a maior parte do tempo de sua pós-graduação, Nathana Diska, 27 anos, diz que com os decretos começa a repensar o plano de fazer doutorado, porque depende de bolsa para conseguir se manter estudando pelos próximos anos.

- No mestrado, eu acho que ainda não tiveram cortes nas bolsas. Mas no doutorado já tem, e nós temos discutido isso desde o ano passado. A gente percebe essa postura não só nas bolsas, mas na assistência estudantil e em outras áreas - analisa a estudante.

Nathana que também estuda no programa de pós-graduação para formação de professores teme que daqui pra frente não tenha novos concursos públicos para que ela e outros colegas atuem como docentes. (Com informações da Folhapress).

EXPEDIENTE
Reportagem
Gabriela Perufo e Pâmela Rubin Matge

Imagens
Renan Mattos

Edição 
Pâmela Rubin Matge e Pedro Pavan 

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Rede de acolhimento de adolescentes e crianças está na mira de três investigações Anterior

Rede de acolhimento de adolescentes e crianças está na mira de três investigações

Os quatro locais campeões de reclamações de sossego público em Santa Maria Próximo

Os quatro locais campeões de reclamações de sossego público em Santa Maria

Reportagem especial